OLÁ, como você está? Chegou o grande dia, o dia de enfrentar filas, acotovelarmos uns aos outros e comprar muitos — eu disse MUITOS — livros. A Bienal de São Paulo começou nesta sexta-feira e é claro que eu já tô aqui que vou marcar presença.
Antes de ir flanar pela Bienal, eu vou deixar a décima quinta edição da newsletter para vocês. Ela está mais curtinha, pois a semana foi corrida e, bem, não quis não publicá-la nesta semana.
No itinerário de hoje, nós temos:
Um breve reflexão sobre estudar literatura;
Um filme que gostei muito;
Seção de curadoria.
Além disso, temos As terríveis leituras de Mandy e a coluna Leio/Ouço/Assisto, comandada pela Bárbara Amádio.
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Bora pra news?!
Literatura para quê?
Às vezes, e não raramente, encontramos palavras que descrevem o que sentimos e não sabemos expressar. Isso me ocorreu enquanto lia o pequenino Literatura para quê?, do Antoine Compagnon. Em certo trecho, as palavras do autor traduziram exatamente o meu sentimento ao estudar literatura.
Compagnon diz que ensina literatura usando as aulas como pretexto para ler o que ainda não havia lido. Isso é precisamente o que eu faço dia após dia nos estudos e na produção de conteúdo literário. Ambas as atividades são formas de me aproximar mais da literatura e sempre estar em contato com textos diversos, descobrindo autores, histórias e afins.
A minha escolha por estudar literatura não vem do desejo de me colocar num patamar acima de ninguém. O que quero mesmo é conhecer, aprender, entender, ter o que falar e falar com propriedade, compartilhar o que aprendi. Contudo, no final das contas, acho que essas intenções são menores que o elemento catalisador de tudo, que é ser levado a ler o que ainda não li.
Certa vez, Ítalo Calvino disse: a minha fé na literatura do futuro consiste em saber que existem coisas que só a literatura, com seus meios específicos, pode dar.
Então, é isto. A minha paixão para com os livros é nutrida pelo alimento que somente a literatura pode oferecer.
Passagem (2022)
Passagem (Causeway, 2022) explora de uma forma intimista e delicada a luta pela superação de traumas físicos e emocionais adquiridos ao longo da vida. Se o tema não é original, a abordagem aqui funciona. No entanto, a trama exige bastante das atuações de Jennifer Lawrence e Brian Tyree Henry, que são o destaque do filme.
Lynsey (Jennifer Lawrence) é uma soldado americana que retorna do trabalho para se recuperar após um grave acidente lesionar seu cérebro. Recuperando-se aos poucos, ela volta para a casa da mãe, em Nova Orleans, onde faz uma improvável amizade com James Aucoin (Brian Tyree Henry). A partir daí, juntos, eles encontram conforto na companhia um do outro, mas não sem alguns conflitos dramáticos.
A decisão da diretora, Lila Neugebauer, em não mostrar flashbacks dos traumas de Lynsey e James é uma escolha feliz, porque permite que o tom intimista ganhe força e libera os protagonistas para brilhar dentro da história.
Nos primeiros minutos do filme existem poucos diálogos. Lynsey está debilitada, sem conseguir realizar tarefas simples do cotidiano, em um estado de extrema fragilidade. Esses momentos são conduzidos inteiramente pela atuação silenciosa e expressiva de Lawrence, como na cena em que a personagem Lynsey consegue dirigir e ligar o rádio do carro ao mesmo tempo e então começa a chorar.
É visível o incômodo de Lynsey ao voltar para casa da mãe, pois o relacionamento com Gloria (Linda Emond) não é bom. O diretor de fotografia, Diego Garcia, faz um trabalho muito competente ao explorar visualmente a dificuldade de conexão entre as personagens. Como na tomada que mostra Gloria parada à porta, tarde da noite, parcialmente oculta pelas sombras, velando Lynsey. De fato, vemos apenas sua silhueta e a voz arrastada de quem está bêbada, enquanto Lynsey evita estender o diálogo.
Diego Garcia também trabalha uma paleta de cor azulada para dimensionar as tristezas vividas pelos personagens, com imagens estáticas, capturando as expressões vazias e distantes.
Conforme a trama avança, aos poucos, Lynsey busca formas de acelerar sua recuperação e encontra no trabalho físico uma forma de exercitar o corpo e desanuviar a mente. Assim, através de situações inesperadas, surge a amizade entre Lynsey e James, que redefine os rumos dessas duas pessoas solitárias.
Brian Tyree Henry é um ator formidável. O modo como consegue transitar entre as necessidades expressivas exigidas pelo personagem é pura eficiência. A entonação da voz, os olhares, a postura corporal.
Já Jennifer Lawrence retornou ao cinema – após um tempo longe das telas – com uma das melhores atuações da carreira. Ela reflete toda a carga emocional de Lynsey através dos gestos, expressões, da atuação. A Jennifer Lawrence mergulha e desaparece na pele de Lynsey – e não tenta ser maior que a personagem em momento algum, provando, mais uma vez, a grande atriz que é.
Quando a amizade entre Lynsey e James se estabelece, a fotografia faz a construção do clima de solidão pessoal dos dois através de cenas cheias de contrastes e closes que captam emoções distantes, reflexivas, presas em suas dores. Neste sentido, as cores influenciam bastante alguns momentos chave da história. A partir do encontro no bar, onde uma luz vermelha reflete sobre Lynsey e James, cores quentes passam a ocupar mais espaço, sinalizando a recuperação, a cura e o calor encontrado no carinho que um adquire pelo outro.
Lynsey e James conversam sobre seus traumas em Passagem.
Lynsey e James confrontam seus temores e traumas quando estão sentados no banco de uma praça, conversando. A cinematografia cria uma poesia visual sobre dois perdidos e sofredores, mas não mais solitários – é um grande momento de revelação, onde ambos jogam o passado à luz, demonstrando a confiança mútua desenvolvida entre si.
Esse é um filme que não apressa o desenvolvimento, mantendo o ritmo proposto, necessário para construir e aprofundar as nuances principais do roteiro. Com isso, quero dizer que é um filme vagaroso, que preza pelos detalhes e pelo aprofundamento psicológico dos protagonistas.
Passagem é um mergulho profundo sobre os traumas que nos inundam, sobre quanto o silêncio de uma pessoa pode dizer mais que qualquer palavra. É também sobre a necessidade de falar, ouvir e ser ouvido.
É uma conversa na qual mesmo o silêncio diz muito.
O filme está disponível na AppleTV.
CURADORIA
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Artigos
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Curta-metragem
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As terríveis leituras de Mandy
Olá! Eu sou a Mandy e essa é a minha coluna no Legado das Palavras. Nela, compartilho as impressões, surtos, angústias e choros literários.
Hoje no quadro Livros nacionais que valem muito a leitura temos o livro Inventário de Predadores Domésticos, de Verena Cavalcante.
Sem mais delongas, vamos para a resenha!
E eu que achava que já tinha lido coisas tristes nessa vida (O peso do pássaro morto e Flores para Algernon, por exemplo), mas me deparei com esse livro o qual me fez perceber que em todos esses anos de leitora o sofrimento pode, sim, ser ainda mais intenso e sufocante.
No decorrer da leitura, eu me senti muito triste e aflita, a ponto de conseguir ler apenas três contos por dia sob risco de passar o resto da noite com ansiedade.
A autora, nos agradecimentos do livro, pede desculpas aos leitores porque ela tem ciência de que é uma leitura dolorosa — e sim Verena, doeu e dói.
Cada conto é uma agonia diferente, um desconforto diferente. Visceral. Acho que o fato de ser narrado por crianças e mulheres, a leitura se torna um poço de gatilhos para leitores despreparados ou que tenham pouco estômago.
Na verdade, até pra quem está habituado com esse estilo de escrita (como foi meu caso), em alguns contos, se vê preso em um vórtex de sentimentos conflitantes que se faz necessário uma pausa para digerir, refletir, compreender.
É impossível não se sentir familiarizado com a maioria das histórias: seja por algo que você já leu, presenciou, ou ouviu falar.
A escrita da autora é tão imersiva que a sensação que eu tive durante toda a leitura foi de estar em uma sala onde cada personagem entrava e me contava sua história, onde várias delas me arrancaram lágrimas ou me deixaram com um gosto amargo tão forte na boca, sendo impossível esquecer qualquer um dos personagens.
Os contos trazem aspectos da nossa realidade naturalmente dolorosos (abusos, perda de familiares, fome, perda da inocência, por aí vai), mas quando vistos sob a ótica de crianças e mulheres fragilizadas tudo fica mais horrível, indigesto e nefasto.
O Inventário de predadores domésticos é aquele tipo de livro em que comecei a leitura como uma pessoa compelta e terminei com um vazio dentro de mim.
Nota :⭐⭐⭐⭐⭐
Leio/Ouço/Assisto
Olá, pessoa leitora! Eu sou uma criatura das trevas, digo, sou a Bárbara Amádio e este é o nosso quadro Leio/ouço/assisto. Aqui, recomendo obras a partir de um tema aleatório, mas sempre alinhado aos meus gostos ou ao calendário.
Como já passamos totalmente do clima de São João, deixo aqui um questionamento: ainda é muito cedo para pensar no Dia das Bruxas? hahaha! Tudo bem, não vamos atropelar as coisas. Desta vez, vou justificar o tema escolhido como um favoritinho meu — e de muitos de vocês —, pode ser?
VAMPIROS!
Segundo o Cebolinha: cliatula das tlevas, atolmentada pela culpa e pela lejeição.
Os chupadores-de-sangue, que nas últimas décadas retomaram a popularidade, mas já há alguns séculos atormentam o nosso imaginário. Eles se parecem conosco, e até mesmo podem estar entre nós, porém ferem a ordem natural das coisas: afinal, estão vivos, mas ao mesmo tempo mortos, e sedentos pelo nosso sangue.
Leio
As Crônicas Vampirescas (1976–2018). Do ano retrasado para cá, li espaçadamente a obra de Anne Rice, respeitando a ordem de lançamento, para perceber a evolução na escrita da autora e os caminhos pelos quais passou para contar as histórias dessas personagens. Até agora, li os cinco primeiros. O Vampiro Armand (1998) será a minha próxima leitura, ainda em setembro, para fazer um esquenta até o Dia das Bruxas. Apesar de saber que a obra está sendo adaptada pela Amazon, ainda não vi a série.
Ouço
The Edge of Darkness (2015). Este é um álbum de Peter Grundy, artista de instrumental. Quer uma trilha especial para vagar pela solidão do seu castelo sombrio? Peter Grundy é a escolha certa. Suas músicas são o encontro perfeito entre o belo e o macabro, muito úteis para quem gosta de ler, escrever, desenhar ou até mesmo narrar uma campanha de RPG com ambientação musical. Selecionei o The Edge of Darkness, especialmente, porque nesse disco estão referências diretas aos vampiros nas faixas The Vampire Masquerade (a mais famosa do artista e minha favorita do álbum) e A Vampire Heart. Existem outras canções em que são possíveis fazer a associação com os vampiros, caso a sua imaginação (ou medo) permita.
Assisto
Castlevania (2017–2021). Adaptação de uma franquia de jogos, a série de animação da Netflix se apropriou do melhor do universo jogável e a transformou em uma história de drama familiar sem igual. O mais gostoso de Castlevania, além das personagens incríveis, é perceber que o investimento cresceu e a animação adquiriu muita qualidade com o passar das temporadas, de forma que a última é um verdadeiro show à parte. Os fãs da série também foram abençoados com Castlevania: Noturno (2023). Então, se você busca algo para assistir e relaxar em uma aventura sombria, recomendo demais! Sinto falta até hoje.
Ah, e antes que eu me esqueça: este ano também será lançado o novo filme do Nosferatu, dessa vez abençoado pelas mãos do Robert Eggers (A Bruxa, O Farol, O Homem do Norte). Estou muito ansiosa, confesso, mas ir sem expectativa é sempre o caminho certo, não é mesmo? O trailer está disponível desde junho, espero que essa espiadinha seja animadora para você também, afinal… Os tempos vampirescos estão de volta.
Enfim, agora me despeço de você, pessoa leitora, e espero que possamos nos reencontrar muito em breve. Não se esqueça que vampiros são as únicas criaturas que vão te amar para sempre, então não precisamos temê-los, certo?
Espero que tenha gostado das obras aqui selecionadas, mas, caso algum vampiro do seu coração tenha ficado para trás, não hesite em reclamá-lo no nosso e-mail. Obrigada pela leitura, aceite o meu coração sangrento como gratidão.
Seção do leitor
Você está com uma leitura entalada na garganta e precisa falar dela para o mundo? Então envie um e-mail com a sua resenha voluntária para o legadodaspalavras@gmail.com e você poderá aparecer por aqui.
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